terça-feira, maio 8

Natureza: biodiversidade e geodiversidade




A reestruturação do ICN poderia ter sido feita sem mudar o nome
original, sintético, coerente, expressivo e mais correcto.

O Presidente da República encorajou, no seu discurso do 25 de Abril,
os jovens a não se resignarem. Já não sou jovem, mas escrevo porque
não me resigno com a mudança de nome do Instituto da Conservação da
Natureza (ICN) para Instituto da Conservação da Natureza e da
Biodiversidade (ICNB) estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 136/07.
Biodiversidade é uma forma de dizer, numa só palavra, diversidade
biológica, ou seja, o conjunto dos seres vivos. É, para muitos, a
parte mais visível da natureza, mas não é, seguramente, a mais
importante. Outra parte, com idêntica importância, é a
geodiversidade, sendo esta entendida como o conjunto das rochas, dos
minerais e das suas expressões no subsolo e nas paisagens.

No meu tempo de escola ainda se aprendia que a natureza abarcava três
reinos: o reino animal, o reino vegetal e o reino mineral. A
biodiversidade abrange os dois primeiros, e a geodiversidade o
terceiro. Estando assente, e bem, que biodiversidade é parte
integrante da natureza, a designação agora decretada para este
importante organismo do Estado é, no mínimo, desnecessária e
redundante. Esta redundância vem de trás. Ficou consagrada em 2001 na
Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da
Biodiversidade, na sequência da Convenção sobre a Diversidade
Biológica (Conferência do Rio, 1992). O nome vem daí, mas custa-me a
crer que, num organismo onde trabalham mais de quarenta biólogos e
uma quinzena de arquitectos paisagistas, ninguém tenha chamado a
atenção do legislador para esta aparente ingenuidade que,
cientificamente, raia o ridículo - a menos que alguém me explique
aquilo que me parece inexplicável. Está fora de causa qualquer juízo
crítico à reestruturação deste instituto, mas ela poderia ter sido
feita sem mudar o nome original, que era sintético, coerente,
expressivo e, por isso, mais correcto.

Retirar a biodiversidade da natureza é o mesmo que retirar o sobreiro
do conjunto das árvores, o bacalhau do dos peixes, o papagaio do das
aves, os morcegos do dos mamíferos, os jornais do da comunicação
social e por aí adiante, num nunca mais acabar de exemplos
disparatados. Ao enfatizar a componente biológica, a nova designação
do ex-ICN torna mais evidente a subestima que, lamentavelmente, a
nossa administração tem manifestado pelos valores da geologia. Como
se a paisagem e a civilização não dependessem do substrato geológico.
Os governantes deveriam estar mais elucidados sobre o papel da
geodiversidade na civilização moderna, na prospecção e exploração das
matérias-primas metálicas e não metálicas, dos combustíveis fósseis e
nucleares, das águas subterrâneas, para não falar no conhecimento dos
riscos sísmico e vulcânico ou no dos terrenos sobre os quais se
edificam barragens, pontes e outras grandes obras de engenharia. É
que, apesar de na quinta das 10 opções estratégicas aprovadas em 2001
se propor "desenvolver em todo o território nacional acções
específicas de conservação e gestão de espécies e habitats, bem como
de salvaguarda e valorização do património paisagístico e dos
elementos notáveis do património geológico, geomorfológico e
palentológico", nem o decreto-lei que lhe deu seguimento, nem a
Portaria n.º 530/07, que lhe fixa os estatutos, têm um artigo, uma
alínea, uma palavra referente à componente geológica da natureza. Mas
tem meia centena de referências à biodiversidade. Esta pouquíssima
importância dada à geodiversidade por este instituto fica, aliás, bem
demonstrada pelo número de geólogos que ali trabalham, menos do que
os dedos de uma mão entre 180 técnicos superiores. Que país é este
que tem na geodiversidade (mármores, granitos, cobre, zinco,
volfrâmio, estanho) a maior fonte de riqueza e a subestima na
instituição que seria suposto zelar por ela? É o mesmo país que
extinguiu, em 2003, o Instituto Geológico e Mineiro. Valha-nos Santa
Bárbara!

A. M. Galopim de Carvalho

Geólogo

Público (5/Maio/2007)

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